O governo de Milei enfrentou primeira greve geral desde que assumiu o governo. Os manifestantes reagem às medidas de austeridade
Porto Velho, RO - Javier Milei enfrentou, nessa quarta-feira (24/1), a primeira greve geral desde que assumiu a Presidência da Argentina. Embora os números fornecidos pela polícia contradigam os dados da Central Geral do Trabalho, é certo que as ruas se encheram de manifestantes que reagem às reformas do governo empossado há pouco mais de um mês. Em paralelo, o Brasil observa a crise que se desenrola em um dos principais parceiros econômicos na América do Sul.
A greve dessa quarta foi convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT), a maior central sindical do país. O movimento recebeu apoio de sindicatos de diversos setores. A maior concentração de manifestantes ocorreu na capital da Argentina, Buenos Aires. A organização fala em 1,5 milhão de adesões, enquanto a polícia estima 130 mil.
A Argentina enfrenta crise econômica, com inflação disparada, alta dívida externa e desvalorização da moeda. É nesse cenário que o libertário Milei derrotou o peronismo nas urnas, em novembro de 2023. As propostas incluíam ideias como fechar o Banco Central e reduzir fortemente os gastos públicos. Ainda assim, elenão tem maioria no Congresso para implementar as reformas de maneira tranquila.
As manifestações desta quarta miram medidas presentes no Decreto de Necessidade e Urgência (DNU). O instrumento que faz modificações na economia e nas leis trabalhistas ficou conhecido como “Decretaço”. O texto apresenta 366 artigos, que revogam leis e desregulam a economia.
A insatisfação popular também se estende à Lei Omnibus, como ficou conhecida a Lei de Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos, projeto que prevê superpoderes a Milei e a privatização de empresas estatais. O texto, que conta com mais de 600 artigos, prevê medidas econômicas, financeiras, fiscais, previdenciárias, administrativas e sociais, bem como de segurança, defesa, tarifas, energia e saúde, por dois anos.
As medidas atendem a linha defendida por Milei de contenção à crise econômica e austeridade fiscal. Ainda no discurso de posse, o libertário destacou o cenário de devastação que assumiu o país. Segundo o mandatário, não há outra alternativa a não ser “o ajuste e o choque”, e ainda se comprometeu a combater a inflação com “unhas e dentes”.
Impacto Brasil e Argentina
No que se refere à interação entre os dois países, Reginaldo Nogueira, PhD em economia e diretor sênior do Ibmec, explica que o impacto do Brasil na Argentina é muito maior que o inverso. O Brasil exporta US$ 340 bilhões, e 5% disso vai para a Argentina. “É um valor relevante, mas não é algo que a gente não conseguiria transferir para outros parceiros comerciais. É claro que isso afeta algumas empresas brasileiras e alguns setores mais do que os outros, mas não é nada que a gente não conseguiria redirecionar”, observa.
Ainda assim, Nogueira sublinha que a Argentina é um importante parceiro para o Brasil no Mercosul. Assim, uma melhora do país seria benéfica a toda a região. “No caso de Milei, eram esperados movimentos contra as medidas de austeridade. Mas, por outro lado, não há escolha quanto ao que ele está fazendo”, descreve.
Ele exemplifica que o ajuste fiscal, a desvalorização da moeda e a estabilidade do câmbio teriam de ser buscados por qualquer um e fazem parte dos termos negociados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) desde o governo anterior.
Nogueira considera, porém, que é provável que Milei vá negociar para tornar as medidas do pacote mais fáceis de serem aprovadas. “Se ele aprovar 70% de tudo que foi proposto, isso já é suficiente para zerar o déficit fiscal na Argentina, voltar a acumular reservas internacionais, estabilizar o câmbio e começar a retirar o país da rota da hiperinflação”, diz.
Um boneco do presidente da Argentina, Javier Milei, é segurado por manifestantes durante uma greve nacional contra as políticas de Milei Ricardo Ceppi/Getty Images
O analista político Leandro Gabiati destaca que Milei tem adotado medidas impopulares e que impactam o dia a dia do cidadão, entre elas a diminuição da inflação com a redução do consumo.
“Há muita gente que votou no Milei porque não queria votar na continuidade do governo anterior. Então, a margem de popularida que Milei teve nessa eleição pode evaporar rapidamente a partir de quanto o Milei demora para acomodar a economia”, explica.
Para o analista, o sucesso ou fracasso de Milei na Argentina não deve ter influência sobre o eleitorado do Brasil. “O eleitor brasileiro, em 2026, vai votar olhando para o Brasil. Não interessa se o Trump ganha ou se o Milei vai bem. O eleitor brasileiro é muito racional”, explica.
Ainda assim, o analista considera que, sob aspectos econômicos, a superação da crise na Argentina é importante para o Brasil. “Para o Brasil, logicamente, a situação da Argentina é muito relevante, um parceiro regional fundamental, e parte da indústria brasileira exporta muito para o país”, diz.
Derrota do peronismo
O economista e deputado Javier Milei venceu as eleições para a Presidência da Argentina, com pouco mais de 55% dos votos. O opositor, o candidato peronista Sergio Massa (Unión por la Patria), ficou com cerca de 44% dos votos.
A eleição do ultraliberal representou a derrota do peronismo em meio à crise econômica que atinge a Argentina. O movimento teve na Presidência nomes como o de Cristina Kirchner e o do atual presidente, Alberto Fernández.
Durante a campanha, Milei prometeu cortar relações com países que julga “comunistas”, como China e Brasil, além de romper com o Mercosul e fechar o Banco Central. Ele ainda se comprometeu a uma redução drástica nos gastos públicos, por meio do fim de programas sociais e a diminuição no número de ministérios de 18 para oito.
Admirador de políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, o argentino compartilha pautas caras para os conservadores, como a liberação de armas e a contrariedade ao direito do aborto. A carreira política de Javier Milei acumula polêmicas, como quando se pronunciou a favor da livre venda de órgãos humanos.
Fonte: Metropoles